Publico hoje este texto porque expressa meu pensamento sobre o assunto.
Muito bom, vale a pena ler....
Deus Abençoe
Paulo Moraes
Parte 01
A Bíblia, como qualquer outro livro da antiguidade, contem algumas passagens que são de difícil interpretação. E mesmo com tanto progresso exegético e hermenêutico, ainda assim, em alguns casos específicos, a busca pelo real significado do texto é uma tarefa árdua. Todavia, a complexidade da tarefa não nos impede de tentarmos transpor estes abismos, seja ele cultural, histórico, religioso, teológico, filosófico ou lingüístico, uma vez que a teologia exegética tem desenvolvido, em contato com outros ramos do saber, algumas ferramentas fundamentais, que certamente nos ajudará a transpor os abismos.
Dos muitos textos bíblicos que tiram o sono dos teólogos, existe um que simboliza toda esta questão. O texto é I Pedro. 3.17-20. Assim está registrado:
"Porque melhor é sofrerdes fazendo o bem, se a vontade de Deus assim o quer, do que fazendo o mal. Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água."Destes três versículos, há um que chama atenção de qualquer leitor atencioso. No verso 19, o autor, está afirmando categoricamente que Jesus pregou aos espíritos em prisão. Mas que raio de espíritos são esses? Quando e onde exatamente Jesus pregou a estes espíritos? Porventura, são estes espíritos, espíritos dos mortos santos? Ou pecadores? Ou são espíritos malignos? Como vemos, muitas questões vem à tona, porque o texto não é claro em respondê-las. Mas este texto suscita uma outra outra pergunta, que pode ser considerada como a “pergunta que não quer calar”. Jesus desceu ao inferno para pregar aos espíritos? Obviamente, esta pergunta ainda tem destroncamentos. Existem outros textos bíblicos que apóiam esta interpretação? Qual a razão de Jesus ter ido pregar aos espíritos no inferno?
Este é o tipo de texto em que devemos tomar muito cuidado, justamente por causa da sua falta de clareza. Uma das regras da hermenêutica bíblica, desenvolvida por Agostinho (354-430 d.C.), serve muito bem de alerta contra a tentação de apoiar uma doutrina em um versículo enigmático. A nona regra de Agostinho, conforme resumo de Ramm, preza que “se um significado de um texto é obscuro, nada na passagem pode constituir-se matéria de fé ortodoxa” [1]. Esta regra é tão bem fundamentada que nunca foi descartada e ainda esta em voga. Norman Geisler, renomado teólogo da atualidade, afirma que é um grande erro “basear um ensino numa passagem obscura”[2].
A primeira proposta que deve ser descarta como herética, é a idéia equivocada de que Jesus foi ao inferno para dar uma segunda oportunidade aos incrédulos que morreram em iniqüidade. Mas alguém crê nisso realmente? Sim. Este é o caso dos universalistas[3], mas principalmente dos mórmons, que acreditam baseado neste versículo que as pessoas têm uma segunda chance de serem salvas após a morte, afinal, um Deus realmente amoroso deve ser capaz de oferecer uma outra oportunidade as pessoas no sentido delas poderem mudar de decisão.
Primeiramente, esta idéia pressupõe que Deus não deu oportunidades as pessoas antes de elas morrerem, ou que simplesmente não houve tempo suficiente para o indivíduo tomar uma decisão, e isto se trata evidentemente, de uma especulação sem nenhum fundamento. Em segundo, a bíblia não dá suporte a esta idéia. O texto de II Pe 3.9 declara que Deus esta aguardando, mediante sua longaminidade, o arrependimento dos homens, e isto quer dizer que ninguém pode alegar falta de tempo. Um outro testemunho bíblico bastante incisivo, que refuta esta idéia de que não houve oportunidades antes da morte, foi elaborado pelo apóstolo Paulo em Rm. 1.20, que diz que a verdade de Deus esta claramente revelada através da obra de sua criação, portanto todos são indesculpáveis. E para aumentar ainda mais a responsabilidade do homem em relação às imutáveis leis de Deus, Paulo enfatiza, mas também amplia a idéia de Rm 1.20 em Rm 2.15, declarando que Deus colocou sua lei moral na consciência de todos os homens, tanto judeus, que tinham a lei escrita, quanto gentios, que não a tinham. Segue-se ainda o fato da bíblia, sem qualquer chance de interpretação dúbia, declarar “que aos homens está destinado morrer uma só vez e depois vem o juízo” (Hb 9.27, ver também Lc.16.26).
J.P. Moreland, filósofo e teólogo cristão, reforça o testemunho bíblico acrescentando um argumento filosófico bastante interessante. Ele diz que “se as pessoas vissem o trono do julgamento de Deus após a morte, isto seria tão coercitivo que não mais teriam a possibilidade da livre escolha e qualquer decisão que tomassem não seria uma livre escolha real e genuína, mas totalmente forçada, uma vez que estariam fazendo uma escolha prudente só para evitar o juízo[4]”. Ainda no aspecto ético-filosófico, Wayne Grudem nos lembra que Pedro não diz que Jesus pregou aos espíritos em geral, mas só aos que “noutro tempo foram desobedientes [...] enquanto se prepara a arca[5]”. E se Cristo ofereceu uma segunda oportunidade de salvação, porque só a esses pecadores da época de Noé e não a todos[6]?
[1] - Citado por Henry Virkler em Hermenêutica Avançada, p. 45.
[2] - Norman Geisler enumera em seu livro Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e contradições da Bíblia, os principais erros de categoria cometidos pelos críticos da Bíblia. Abordamos a número 6 que diz: basear um ensino em uma passagem obscura. Lista completa, p.18-32.
[3] - Sistema teológico e filosófico que afirma (baseado mais na intuição humano do que na doutrina bíblica), que todos os homens serão salvos. Na pior das hipóteses o inferno que existe é apenas um período passageiro, uma espécie de purgatório. Mais detalhes em Enciclopédia de apologética (Norman Geisler). p.847-852
[4] - Citado no livro de Lee Strobel, Em defesa da fé, p.256.
[5] - Isto fala de um publico bastante limitado (I Pe. 3.20) – rebeldes [...] da época de Noé. Portanto qualquer teoria que se baseie em I Ped. 3.19 deve levar em alta consideração este contexto maior, que declara de maneira muito clara que Jesus pregou aos “espíritos em prisão” que se rebelaram enquanto se preparava a arca. Perceba que o texto não indicou o que vem a ser estes “espíritos em prisão”.
[6] - Conforme argumentação de Wayne Grudem em Teologia Sistemática, p. 492.
Parte 02
Segunda teoria: Libertar os santos piedosos do AT
Para o teólogo escocês e judeu, Myer Pearlman, a passagem de I Pe 3.19 testifica que Jesus desceu ao inferno em algum momento entre sua morte e ressurreição. Mas Jesus desceu ao inferno para fazer o que exatamente?
Em primeiro lugar, Pearlman credita esta passagem como um cumprimento de profecias, ou seja, Jesus estava apenas cumprindo profecias do AT (Salmo 16.10 e 49.15). Em segundo, Pearlman, afirma que Jesus após sua morte, desceu ao coração da terra (Mt 12.40; Lc 23.42,43) para libertar os santos do Antigo Testamento, levando-os consigo para o paraíso celestial. Ele mesmo explica dizendo que “essa descrição parece indicar que houve uma mudança nesse mundo dos espíritos e que o lugar ocupado pelos justos que aguardam a ressurreição foi traslado para as regiões celestiais[1]”.
A implicação obvia de acordo com esta proposta de Pearlman é que “desde este acontecimento os espíritos dos justos sobem para o céu [2]”. Bom, se os espíritos dos santos do AT subiram para o céu a partir deste momento especial, a conclusão lógica, é que antes de Cristo, os fieis iam para o inferno e que estavam presos por lá até Cristo chegar. Mas onde exatamente, encontramos na bíblia idéia de que os santos do AT foram para o inferno após a morte [3]? Vejamos algumas considerações:
Em primeiro lugar, devemos lembrar que o contexto maior de Pedro, não especifica crentes no Antigo Testamento em geral, mas só os que foram desobedientes “nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca (I Pe 3.20). Em segundo lugar, o texto não diz que Cristo pregou aos que eram crentes ou fieis a Deus, mas os que “noutro tempo foram desobedientes” – a ênfase está na desobediência deles [4]. Em terceiro, o “seio de Abraão” (Lc. 16.23), provavelmente não é uma descrição do inferno e sim do céu, uma vez que o lugar para onde Abraão foi é chamado por Jesus de reino dos céus (Mt. 8.11). Em quarto, a Bíblia registra em muitas passagens que a alma dos santos do AT após morrerem vão diretamente para o céu [5], porque seus pecados foram perdoados pela confiança no Messias que viria (Gn 5.24; 2Sm 12.23; Sl 16.11; 17.15; 23.6; Ec. 12.7; Mt 22.32-32; Lc 16.22; Rm 4.1-8; Hb 11.5).
Ainda que esta posição seja melhor que a primeira (segunda chance para os penitentes), e a também a mais popular [6], estas considerações enumeradas acima, mostram muitos pontos fracos, o que nos leva desconsiderá-la como uma interpretação válida.
[1] - Myer Pearlman, Conhecendo as doutrina da Bíblia, p. 375.
[2] - Idem, p. 375.
[3] - De acordo com os partidários desta posição havia dois compartimentos no inferno, uma para os salvos e outro para os perdidos. Esta proposta esta baseada principalmente em Lc. 16.19-31 que fala sobre o local dos mortos (em hb. Sheol e gg. Hades, ambos vocábulos significam sepultura). A parábola do Rico e Lazaro fala que os dois morreram. O primeiro foi para o Inferno e o segundo para o Seio de Abraão. Myer Pearlman conclui a partir daí que havia duas divisões no Sheol, um lugar de sofrimento e outro lugar de descanso. Até mesmo a morada dos santos mortos, não era o céu propriamente dito, mas estava situado nas regiões inferiores.
[4] - Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 493.
[5] - De uma maneira curiosa Myer Pearlman confirma esta idéia, o que obviamente contradiz o que ele quer comprovar. Myer afirma que “havia pessoas verdadeiramente justificadas antes da obra expiatória de Cristo” - (Abraão – Rm.4.23; Moises – Lc.9.30-31; Enoque e Elias ambos arrebatados para o céu). – Myer Pearlman, Conhecendo as doutrinas da Bíblia, p. 197.
[6] - O pastor e apologista da doutrina pentecostal, Marco Feliciano, considerado como “o pregador do povo”, popularizou esta posição em sua pregação intitulada “A agonia da cruz”, pregado na Igreja Assembléia de Deus (dez/2004). De uma maneira bastante eloqüente e poética, o pregador leva o público a meditar no momento em que Cristo desceu ao inferno e quebrou as cadeias dos santos do AT que estavam aprisionados.
Parte 03
Terceira teoria: Proclamar vitória aos poderes das trevas
Uma terceira posição, é a de que Jesus, entre sua morte e ressurreição foi a inferno. Porém, a diferença é que esta suposta viagem metafísica não foi planejada com a intenção de oferecer segunda chance aos penitentes, tampouco libertar santos do AT, mas apenas para proclamar uma mensagem de vitória aos poderes do maligno. Esta teoria é tão popular quanto a anterior (libertar santos do AT).
Para Norman Geisler e Ron Rhodes, os espíritos em prisão “eram seres não salvos, devem ter sido anjos ao invés de seres humanos [1]”. Robert H. Gundry (Ph.D. em Estudos do Novo Testamento pela Manchester University) diz que “a pregação de Cristo aos espíritos em prisão mui provavelmente significa que Cristo desceu seu espírito ao hades, a fim de proclamar Seu triunfo sobre os espíritos demoníacos que ali haviam sido acorrentados por Deus [2]”. Roger Stronstad, editor do Comentário Bíblico Pentecostal, afirma que Jesus em virtude de sua morte, foi até os anjos aprisionados e anunciou sua vitória sobre a morte e as conseqüências de seu triunfo, isto é de que julgamento já estava selado [3].
Esta posição está fundamentalmente baseada em uma análise léxico-sintática de I Pe 3.19. Como já vimos este versículo diz que Cristo “foi e pregou aos espíritos em prisão” (NVI). E o que chama a atenção dos estudiosos desta sentença é o verbo pregar. A análise revela que Pedro usa propositalmente a expressão original grega kerussõ (khru,sow) que significa: “ser arauto”, ou em geral, “proclamar” [4]. Este termo é diferente de outra expressão grega euangelizõ (euvaggeli,zw), que significa pregar ou evangelizar (no sentido de dar oportunidade de escolha), que quase sempre é usado acerca das “boas novas” relativas ao Filho de Deus, conforme são proclamadas no Evangelho [5].
Neste contexto a melhor tradução bíblica em português de I Pe 3.19 é a KJA [6] que diz: “no qual igualmente foi e proclamou aos espíritos em prisão”.
Tomar as chaves da morte, inferno e Satanás.
É muito comum ouvirmos em pregações, principalmente quando o tema é batalha espiritual, uma expressão que diz: “Satanás é tão pobre que nem a chave de sua casa (inferno) ele tem mais”. Esta expressão popular [7] está intimamente associada com a idéia da ida de Cristo ao inferno. Muitos entendem que Jesus em sua rápida passagem pelo inferno proclamou a vitória da redenção, e de quebra tomou das mãos de Satanás as chaves do inferno e da morte.
Devemos mais uma vez rejeitar esta posição alegórica, pois o texto de I Pe 3.19 não diz isto claramente. E os versículos que tratam das chaves da morte e do inferno, nenhum, absolutamente, associa estas chaves como pertencentes a Satanás. “Somente o Senhor possui as chaves da morte e do inferno. Ninguém mais!” [8] Esta soberania está explicita em textos como Mt. 16.19, que diz que a chaves do reino dos céus foi entregue por Jesus aos apóstolos. E também em Ap. 1.18, texto em que o próprio Jesus declara que as chaves da morte e do hades (NVI) pertencem a ele. Em nenhum momento Jesus diz foi ao inferno (ou até mesmo a bíblia), e precisou roubar as chaves das mãos de Satanás, uma vez que este ser angelical nunca as teve em suas mãos [9].
Proclamar vitória aos anjos caídos
Segundo os expoentes desta teoria, a pregação aos espíritos, não é às “boas novas” propriamente dita, mas o ato de Jesus proclamar Sua vitória aos espíritos dos anjos caídos [10]. Com isso, eles querem dizer, que os “espíritos em prisão que há muito desobedeceram [...] enquanto a arca era construída” (NVI) são os filhos de Deus de Gn.6.2. Declara-se que os “filhos de Deus” eram anjos caídos, assim como em Jó 1.6 e 2.1 que (segundo se declara) abandonaram seu estado propriamente dito (espiritual) e se casaram com mulheres nos tempos de Noé [11] (Gn 6.1-4). Portanto, sugerem que Cristo foi proclamar vitória a estes anjos caídos da época de Noé [12].
Sobre isto devemos dizer esta idéia está mais baseada em mitos da literatura apócrifa apocalíptica judaica [13] do que na Bíblia, pois em Mt 22.30, Jesus diz que anjos não se casam. Um outro ponto fraco desta interpretação é que o contexto maior de I Pe 3 destaca pessoas hostis (I Pe 3.14,16) e não demônios, ou anjos caídos. E mesmo que o texto indicasse que eram demônios, exatamente de onde os leitores de Pedro encontrariam a idéia de que os anjos pecaram “enquanto se preparava a arca (I Pe 3.20)? Não há nada disso na história a respeito da construção da arca em Gênesis [14].
De fato, como acabamos de ver, estas interpretações propostas são bem interessantes, mas algumas contradições irreparáveis as prejudicam. Wayne Grudem após analisar esta tese (proclamar vitória aos poderes das trevas) conclui:
Os leitores de Pedro teriam de se submeter a um processo de raciocínio incrivelmente complicado para chegar a essa conclusão, já que Pedro não ensina isso de modo explicito. [15]
[1] - Norman Geisler e Ron Rhodes, Resposta às seitas, p. 411.
[2] - Robert H. Gundry, Panorama do Novo Testamento, p. 394.
[3] - Roger Stronstad comentando I Pe 3.19 no Comentário Bíblico Pentecostal, p. 1718.
[4] - De acordo com o Dicionário VINE, p. 891. Ele diz que o verbo ekeryxen significa; proclamar uma mensagem, da parte de um rei ou potentado. (Ver também; Gleason Archer, em Enciclopédia de temas bíblicos, p. 356).
[5] - Dicionário VINE, p.891.
[6] - A nota textual de rodapé da KJA (King James Atualizada) explica que este tipo de pregação foi uma proclamação vitoriosa realizada por Jesus sobre o inimigo e toda a malignidade do universo (2 Pe 2.4-5; Cl 2.15).
[7] - O grupo musical de louvor, Diante do trono ajudou a popularizar esta posição através da música “A vitória da Cruz”, composta por Ana Paula Valadão Bessa e gravada ao vivo no Parque da Gameleira (BH) em Jul/2000. A estrofe mais significativa para nosso trabalho diz: “O Leão de Judá pisou bem forte e os esmagou, Tomou as chaves das mãos do diabo, Abriu minas cadeias e me resgatou”. De fato é uma linda poesia inspirada, resta-nos saber se é biblicamente correta.
[8] - Franklin Ferreira & Alan Myatt, Teologia Sistemática, uma analise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual, p. 620. Citação tirada pelos autores do livro de Heber Carlos de Campos, “Descenti ad Inferna”, p.126-127.
[9] - É importante observar que o conceito de chaves em Ap. 1.18 está associado ao controle absoluto de Deus sobre a vida e sobre a morte. Outros textos corroboram com intensidade este conceito (Dt. 32.39; I Sm 2.6; Jo 5.21).
[10] - Dicionário VINE, p. 892.
[11] - Outras explicações menos lendárias devem ser analisadas e preferidas. Em outros contextos “filhos de Deus” muitas vezes se referem a seres humanos, embora em contextos diferentes (Dt. 14.1; 32.5; Sl 73.15; Is 43.6; Lc 3.38; IJo 3.1). Uma possibilidade válida é que “filhos de Deus” se refere a homens piedosos, descendentes de Sete e “filhas dos homens” se refere a mulheres pecaminosas da linhagem ímpia de Caim. Mais detalhes em Nota Textual de Gn 6.2, da Bíblia de Estudo NVI, p. 15.
[12] - É assim que interpreta o texto David H. Stern. Ele diz: Os espíritos aprisionados são os anjos que pecaram (2 ped 2:4) e não mantiveram sua autoridade originaria (judas 6). Isto é, eles são “filhos de Deus ou filhos dos anjos), também chamados nefilim (caídos), que caíram de sua própria esfera, o céu para a terra, e “vendo (...) que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres” nos dias de Noach (Gênesis 6:2-4). Mais detalhes em Comentário Judaico do Novo Testamento, p. 820-821.
[13] - O livro apócrifo de I Enoque ( datado de 165 a.C. a 90 d.C.) defende a idéia mostra como os anos caídos coabitaram com as filhas dos homens que geraram uma raça monstruosa de gigantes (I Enoque 7.1;15.1;86.1). Segundos o relato (15.1), esses gigantes forma destruídos pelo Dilúvio, mas seus epíritos foram deixados soltos como demônios para corromper todo gênero humano. (David, S. Russel, Entre o AT e o NT, p.103.).
[14] - Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 493.
[15] - Idem, p. 493.
Jesus realmente desceu ao inferno?
Colocamos em pauta as três principais soluções apresentadas pelos estudiosos para o problemático texto de I Pe 3.19. São propostas diferentes, porem ambas as argumentações concordam que Jesus desceu ao inferno depois de morrer. Abordamos cada uma delas e verificamos as incoerências. Mas há um problema que todas têm que enfrentar. É que a origem da frase “desceu ao inferno” não aparece em nenhum lugar da Bíblia. Mas de onde exatamente surgiu esta idéia?
O Credo Apostólico
A primeira ocorrência da expressão “desceu ao inferno” está no Credo Apostólico, que tem a expressão latina “descendit ad inferna” (desceu aos infernos/hades) e a outra se encontra no Credo de Atanásio, com a expressão latina “descendit ad inferos” (desceu às regiões inferiores). O texto final do Credo Apostólico faz uma bela declaração de fé:Creio em Deus, o Pai onipotente, Criador do Céu e da Terra. E em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nascei da Virgem Maria, padeceu sob Poncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, no terceiro dia ressussitou dos mortos, subiu aos céus, este sentado a destra de Deus, o Pai onipotente, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa igreja católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.
Sobre o desenvolvimento histórico do Credo Apostólico, Wayne Grudem diz que “foi surpreendente descobrir que a frase desceu ao inferno não se encontrava em nenhuma das versões primitivas do credo até que ela apareceu um uma versão de Rufino em 390 d.C., o único a incluí-la antes de 650 d.C”. Já que não é uma doutrina bíblica, Heber Campos afirma que devemos rejeitar as várias idéias relacionadas como a “decida literal de Jesus ao hades”.
Interpretação mais equilibrada
Ao rejeitarmos as idéias apresentadas anteriormente, somos forçados automaticamente a sugerir alguma outra interpretação mais coerente, porém com os mesmos critérios de avaliação. Vamos propor, na verdade, duas interpretações diferentes, mas que não são contraditórias entre si, pois entendemos que ambas podem ser usadas como propostas válidas e mais confiáveis biblicamente falando.Interpretação reformada
O entendimento dos teólogos reformados com respeito a eventual descida de Jesus ao hades é bem diferente da de muitos cristãos, principalmente dos estudiosos citados neste trabalho. Esta interpretação está na verdade baseada na proposta do reformador de Genebra, João Calvino (1509-1564). Ele sustentou que “a descida ao hades foi a experiência das dores do inferno na alma de Jesus, enquanto seu corpo estava ainda pendurado na cruz, especialmente a experiência da ira divina contra o pecado, que ele suportou no lugar dos seres humanos”. Para Calvino, a alma de Cristo tinha de sentir todos os efeitos do juízo pois se alma dele não tivesse sido afetada pelo castigo, seria somente salvação de corpos. Erwin Lutzer corrobora com esta idéia, principalmente quando se analisa com profundidade o significado do brado de Cristo, enquanto pendurado na cruz em meio às trevas (Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? (Mt 27.46). Ele diz:Jesus certamente suportou o sofrimento do inferno, pois o inferno é escuridão, é desamparo, é ser abandonado por Deus, e se foi assim, o horror do que ele experimentou está além de nossa compreensão.
Heber Carlos de Campos, escritor reformado, conclui dizendo que “Jesus nunca desceu ao hades de literal e espacialmente, mas experimentou intensivamente todas as coisas que o hades representa”.
Interpretação analógica
A explicação da interpretação tipológica não chega a contradizer a interpretação reformada, mas dá ao texto I Pe 3.19-20 um enfoque diferente, todavia ambos concordam que Cristo não desceu ao inferno literalmente. Segundo Wayne Grudem, esta explicação é a mais satisfatória de I Pe 3.19-20 e remonta Agostinho que já dizia: a passagem não se refere a algo que Cristo fez entre sua morte e ressurreição, mas ao que “fez no âmbito espiritual da existência” (ou pelo Espírito) nos dias de Noé. Isto quer dizer que quando Noé estava construindo a arca, Cristo, “em espírito” estava pregando por meio de Noé aos incrédulos hostis em torno dele.Esta concepção, não é tão popular, mas é digna de alta consideração. Não é tão mitologia quanto as anteriores (exceto a interpretação reformada), não se baseia em doutrinas humanas (Credo Apostólico) e tem apoio bíblico considerável. Por exemplo, em I Pe 1.11, ele diz que o “Espírito de Cristo” falava por intermédio dos profetas do Antigo Testamento. Em 2 Pe 2.5, ele chama Noé de “pregador da justiça”, empregando o substantivo keryx que vem da mesma raiz do verbo pregar de I Pe 3.19. Tudo isso nos leva a concluir que Cristo “pregou aos espíritos em prisão” por intermédio de Noé nos dias anteriores ao dilúvio. Esta idéia levanta um problema, pois eruditos em grego, afirmam que a Bíblia nunca usa “espírito” em referencia aos humanos. Como responder a isto?
As pessoas a quem Cristo pregou por meio de Noé eram incrédulos sobre a terra na época de Noé, mas Pedro os chama “espírito em prisão” porque estão agora na prisão no inferno (A NASB diz que Cristo pregou “aos espíritos agora em prisão) [...] Assim, Cristo pregou aos espíritos em prisão significa: cristo pregou as pessoas que são agora espírito em prisão, quando ainda eram pessoas sobre a terra.
Um outro conjunto de versículos em Pedro apóia está interpretação, de acordo com o contexto maior de I Pe 1.13-22. Neste contexto geral, Pedro parece fazer uma analogia interessante entre a situação de Noé e a situação de seus leitores. O confronto entre estas épocas distintas revela que ambos faziam parte de minoria justa, rodeados por incrédulos hostis, aguardavam o iminente juízo de Deus (I Pe 4.5-7; II Pe 3.10), deviam pregar com ousadia (I Pe 3.14, 16-17; 3.15; 4.11) e eram salvos ou seriam salvos (I Pe 3.13-14; 4.13; 5.10).
Conclusão
A pergunta que não quer calar agora pode ser respondida.Jesus desceu ao inferno? A resposta é não.
Verificamos que há muitos problemas em adotar esta concepção e o testemunho do restante da bíblia não o apóia definitivamente. Como afirma Wayne Grudem, é no mínimo confusa e, na maior parte dos casos, enganosa para os cristãos de hoje.
Autor: Daniel Grubba
Extraído na íntegra com autorização:
Blog: Soli Deo Gloria
Nenhum comentário:
Postar um comentário